quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre saudade e outros bichos durante uma tarde de primavera.




O dia hoje está aborrecido. O céu cinza parece estar de braços cruzados, e o vento frio que sopra só confirma que algo está fora do lugar, e muito, muito chateado. As cores estão em greve e existe algo levemente irritante nas horas.
O vento que vem do sul tem cheiro de passeio de mãos dadas, de pôr do sol, de suspiros à meia luz. Aspiro o vento e desejos invadem meus pulmões, oxigenam meu sangue, alimentam o meu coração.
Começa a cair uma chuva fina, um véu que aos poucos deita sobre a terra, sobrepondo uma camada úmida às lembranças.
Logo um sol preguiçoso mostra o nariz entre as nuvens, dá uma espiada na rua e some novamente.
Até mesmo a espera que andava de um lado para outro quedou-se numa cadeira ali no cantinho. Ficou quietinha mirando a porta com olhos taciturnos.
Tudo nessa tarde cheira a um tempo que deseja ser, que pulsa e deseja de todo modo adiantar-se, acontecer a qualquer custo. Mas nada adianta o querer sem tuas mãos, boca e sorriso. Eu, o tempo e a tarde estamos à mercê da tua aparição.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Relatividade

O que é um grão de poeira?

Depende do ponto de vista:

No chão, quase nada;

No olho, tudo o que existe.

Andante



A rua passava pela menina

Deixando suas marcas, aromas e cores.

O mendigo passava,

A mulher passava,

A criança, o cão, o homem sem nome passavam

Todos deixando suas dúvidas

Grandes dúvidas que ela carregava

E suas certezas...

Bem, a menina não tinha certezas.

Passavam pela menina as vitrines

E guardavam seus desejos;

Passavam os carros

Levando a menina para lugares que ela jamais iria.

Passavam as calçadas,

O asfalto, os bueiros,

O lixo dos cantos passava por ela

Que carregava parte da cidade.

A menina levava o resto de sonho do pedaço de jornal,

O resto de fome da comida no lixo,

O resto de vício jogado pela mão descuidada, ainda aceso.

Passavam olhos e seus segredos,

Passavam mãos, pernas, braços, sorrisos e lágrimas.

Toda a cidade passava pela menina

Suas luzes e cinzas;

Dores e restos,

Tudo lhe atravessava os poros;

A sinalização passava e não lhe indicava o caminho,

A estátua passava e não lhe via,

Então a praça passou por ela

E ficou uma flor em seu cabelo.